Saudações. Sete anos é muito tempo. Nem contarei sobre o cataclismo que me fez perder 2004. Esse hei sido meu primeiro texto por motivação própria. Nada de redações da escola, nada de provas discursivas e dissertações sobre efemérides aleatórias. Começou com uma conversa de MSN com uma amiga chamada Thaiane. Gostei tanto da minha ênfase em tentar ser exato às minhas sensações do dia que extraí o sumo, tirei o trigo do joio e expandi um pouquinho. Quase nada, eu diria. Quase um texto do Bandeira Verde. Segue aí Ipsis Litteris:
” Saímos daqui, no inicio da manha de sábado e chegamos la em SP quase onze da noite do mesmo dia. Logo, fomos tomar umas cervejas pela cidade, andando pelas ruas do centro da capital. A cidade não dorme, pra todo lugar que você vai, alguma coisa esta funcionando. Só que, como nosso objetivo era assistir ao show, não ficamos muito tempo na rua, só mesmo uma andada pela cidade e algumas cervejas, depois, estávamos no hotel novamente, pra um descanso preparativo pra aquilo o que nos esperava no dia seguinte. Daí foi um “bom sono” e logo cedo já levantamos pra arrumar as coisas pro show.
Depois de um café da manha reforçado e alguns preparativos fomos pro Palestra Itália umas Dez e meia da manhã. Chegamos la no estadio do palmeiras umas onze. O sol já estava alto e a multidão já se mostrava imensa, e não parava de aumentar a cada instante. A fila imensa já formada e um sol escaldante nos acompanhava pela caminhada, e depois de alguns longos minutos andando, conseguimos localizar o final da fila, que apesar da hora, já dobrava o quarteirão do estadio. Chegando lá e tomando nosso território de espera, fomos beber algumas coisas, dentre elas, cervejas, vodkas, vinhos, e a famosa pinga com mel dos ambulantes.
Passamos o tempo bebendo e nos divertindo. Tudo em meio a muitas piadas e risadas. Assim, íamos enturmando com a fila, e conhecemos uma galera de lá. Todos muito receptivos, nos trataram muito bem. E em meio a isso, as horas se passaram, e lá pelas três da tarde a fica começou a andar. Os portões do estádio se abriram pra nação de maidenmaníacos conhecer o local onde o evento mais esperado em anos se daria. Acredito termos andado quase uma hora em meio a caminhadas curtas e paradas. Tudo isso devido a multidão aglomerada em filas imensas.
Quando entramos no estádio, nossa, parecia um sonho, subimos as escadarias das dependências do mesmo e logo vislumbramos o campo, vendo à direita o palco e sua imensa estrutura. Estrutura essa minunciosamente coberta por um imenso tecido preto, fazendo assim toda a expectativa pelo que viria logo mais se aumentar. E la dentro o sol estava bruto travando uma batalha de forças conosco. Nossas armas eram a sombra de uma gigantesca torre onde ficava a mesa de controle do som do palco e muita água para, assim, enfrentar esse inimigo poderoso que persistia em nos afugentar.
Estando lá, andei e comprei umas camisetas da turnê. Cada uma mais louca que a outra, dava vontade de levar tudo, pena que a grana não era suficiente pra me fazer essa pequena graça. Tudo bem, o grande presente já havia me dado, e eu estava o usufruindo àquela hora. Aproveitamos para andar pela pista que naquele momento ainda começava a ser tomada pelos fãs, e por isso ainda dava pra caminhar e conhecer todo o espaço que instantes mais tarde sumiria em meio à uma massa de seguidores da Donzela de Ferro. Tiramos algumas fotos, que espero ter acesso tão logo seja possível.
As horas foram passando, e enquanto esperávamos o sol dar trégua, uma radio paulista fazia o som ambiente. Foi uma grande distração, a toda hora tocando clássicos do rock, como Ozzy Osbourne, Dio, Black Sabbath, Led Zeppelin, Deep Purple e Kiss, alias esta ultima levando o nome da rádio. Alguns momentos durante a tarde vinham alguns locutores falar sobre o show e sobre a radio. E nesses momentos o público sentado ou deitado no chão, se levantava e se aproximava do palco. Via assim o estadio ficar cada vez mais lotado. Arquibancadas, cadeiras, o campo, tudo ia sumindo em meio a cabeças e camisetas pretas da banda, via assim ficar impossível, ou próximo disso pensar em andar livremente pelo estádio.
Assim começava uma nova jornada: conquistar território e aproximar cada vez do palco onde o sonho de ver a banda dos sonhos se realizaria dali há poucas horas. A cada momento, um novo fato fazia a multidão se aglutinar mais, e assim avançava em meio à multidão rumo a grade que separava a pista em que eu estava da pista considerada especial. Sim, existia uma grade que separava, a pista em que estávamos, de uma pista especial, onde esta ficava mais próxima do palco, e ali ficavam os privilegiados que conseguiram comprar esses tão raros ingressos. Mas, enfim, minha marcha rumo ao território para o acontecimento prosseguia, e conseguia angariar novos espaços ao passar dos tempos.
Vendo nosso fervor em persistir, o Sol entregou os pontos e logo se foi, dando inicio à um anoitecer de muito calor assim como foi o dia. Calor esse muito acirrado pela aglomeração cada vez mais intensa. Junto com a noite, veio o anuncio de que o show estava próximo, e assim como a proximidade do mesmo, a primeira atração veio ao palco. A filha do baixista-produtor-líder-todo-poderoso Steve Harris, Lauren Harris subiu ao palco, as sete da noite. Seu show foi curto e agradável, porém interminável para quem veio com o objetivo declarado de ver apenas o Iron Maiden. Seu repertório apresentava musicas adolescentes, mas com um toque de bom gosto do espirito rock & roll. A mocinha veio acompanhada, estava muito afiada, e todos os músicos eram muito bons. Depois de meia-interminavel-hora ela deixou o palco e assim ficamos ainda mais próximos da banda que esperávamos.
Depois de algumas musicas de som ambiente, começa uma fina chuva como que mostrando que o tempo se rendeu à nossa persistência. Garoa essa que logo deu lugar à uma chuva torrencial, algo próximo de uma tempestade. Senti a alma sendo lavada com essa água tão esperada, pois essa hora, os vendedores não mais nos alcançavam, tamanha a aglutinação de pessoas. Pra se ter uma ideia, somente o rosto, o cabelo e o tronco ficaram molhados, a bota e a calça, apenas com a água que descia pelo corpo. Mesmo ácida, a chuva foi providencial. Tomamos um susto vendo os técnicos de som da banda colocando sacos plásticos nos retornos e monitores de palco. Mas, isso foi um breve momento, pois logo a chuva começou a diminuir e eles desistiram da ideia, voltando para o backstage.
Com o fim da chuva veio a surpresa que fez o estadio ir a loucura. O telão começava a mostrar imagens da turnê tendo como trilha sonora Transilvania, um ótimo instrumental do primeiro disco do Iron Maiden. A população de metaleiros já gritava enlouquecida e em coro gritava chamando pela banda. O som da voz ecoava aos cantos do estadio fazendo um barulho ensurdecedor: Maiden, Maiden, Maiden, assim clamavam os fieis seguidores da banda. E com aquele cenário vinha a ideia de que aquilo tudo era real e acontecia frente a nossos olhos e ouvidos.
Chega ao fim a trilha instrumental, e sem tempo para um silencio, começam nos PAs sons de aviões da segunda guerra mundial e a voz de Winston Churchill fazendo um pronunciamento sobre a segunda guerra. As imensas cortinas pretas que escondiam o palco se abriam lentamente revelando todo o cenário onde a banda se apresentaria. O estádio a essa hora gritava insanamente pela banda. Junto a essa pequena vinheta vinha Aces High, a primeira música do show. O estadio veio a baixo, impossível conter a euforia, o êxtase, um amalgama de sentimentos de febre de agitação. Não acreditava ao ouvir a banda tocando, ao ver aqueles que habitavam os melhores cds e videos que tinha visto até então, parecia uma ilusão, um sonho.
E não era só eu quem sentia isso, outros 40/50 mil presentes comungavam do mesmo delírio. O público gritava de maneira ensurdecedora, no meio deles, onde eu estava, todos agitavam, pulavam, empurravam. Pensei que iria sucumbir frente a força e violência com que acontecia o empurra-empurra. Isso quase desapercebido perante ao acontecimento que estava ocorrendo logo ali, poucos metros a minha frente. Uma banda dando tudo de si, tocando com toda vontade, um Bruce inspirado cantando como nunca.
Terminada a primeira musica, o vocalista deu Boa Noite ao público, comentou sobre a chuva e chamou pelo publico dizendo o seu famoso Scream for Me Brasil enlouquecendo ainda mais a todos. Veio Two Minutes To Midnight, e parecia não ter fim a sensação de estar sonhando acordado. Logo depois tocaram a lendária Revelations para o deleite dos maidenianos que viam um Bruce Dickinson correndo feito louco pelo palco, cantando, agitando, tudo isso com seu enorme carisma e domínio de público.
Não diferente, tocaram The Trooper, onde Bruce usava roupas do exercito britânico e empunhava a bandeira de sua terra. Um coro enorme o acompanhava no refrão da musica, e a agitação do público continuava como tinha iniciado: intensa e fervorosa. Um breve momento de silencio após o fim da música e ele voltava a falar com o público, dizendo o como estava feliz em tocar aqui novamente. O estadio todo começou a gritar Bruce! Bruce! Bruce! e ele ficou em silencio por alguns minutos ouvindo aquela nação clamando pelo seu nome. Visivelmente emocionado, ele relembrava a primeira apresentação que fizeram no Brasil frente a um publico de 300 mil pessoas no Rock in Rio, e logo depois começava a anunciar uma musica que falava de tudo isso, todos esses anos de banda: Wasted Years. Mais uma vez, delírio geral.
Can I Play With Madness veio logo depois, e junto com ela Number of The Beast, onde o publico repetia cada fala da narrativa que precedia a música, e cantou cada trecho com devoção, como era de se esperar. Com o fim dela, veio a música que, pra mim, marcou o melhor momento do show: Rime of The Ancient Mariner. Um tema épico de mais de 12 minutos, que fascinava em cada trecho, em cada estrofe, cada solo. Uma musica em que bebi cada segundo de sua execução. Uma musica que por si só era completa, valeu o show todo. Tima um clima perfeito nos trechos cantados, tinha todo o clima de suspense no pequeno interlúdio, onde só se ouvia um dedilhado vindo do baixo do Steve Harris, e o seu ressurgimento vindo com a voz poderosa do vocalista, que viria a dar lugar ao seu clímax. Emocionante do inicio ao fim da música. Foi o momento mais especial de todo o show para mim.
Juntamente com esse épico, viria Powerslave, que deu prosseguimento a esse imenso emaranhado de emoções e de fascínio que contagiavam toda a plateia, com todos as passagens temáticas que fizeram dela, uma das melhores músicas que a banda compôs. Terminando ela tinha inicio Heaven Can Wait, outro clássico da banda, onde num momento especial, alguns sortudos entraram no palco e cantaram uma passagem dela junto com a banda. Alem dela tocaram tambem Run to the Hills, um outro clássico dos anos 80 devidamente cantado pelos fans.
Nesse momento, eles tocariam a única musica que pertencia a década de 90, mas que pelo seu merecimento foi colocada no repertório da turnê. Era Fear of the Dark, a música que marcou a vida de muitos fans da banda, e muitos a vêem como o maior sucesso da banda. O público cantou cada melodia e cada frase pronunciada por Bruce, na lenta introdução, que culminava com um riff matador que veio a colocar novamente o estádio enlouquecido. Cantaram junto com Bruce toda a letra da musica, assim como seus solos. A musica era fechada com todos cantando o refrão, que repetia intermitente Fear of the Dark, Fear of the Dark, Fear of the Dark, cantado por cada um entre aqueles que ali viviam a festa.
Para fechar o set list, a música que leva o nome da banda foi tocada: Iron Maiden. Sua letra era simples, porem não menos empolgante. Mostrava toda a força desse monstro que era formado por Bruce Dickinson liderando nos vocais, Steve Harris com o seu poderoso e cavalgado baixo, o trio de áses da guitarra, Dave Murray, Adrian Smith e Jannick Gers, e tambem Nicko Mcbrain na bateria. Nesse momento o monstro/mascote da banda, Eddy, entrava no palco e caminhava por toda a sua extensão enquanto a música era executada. Todas as atenções estavam voltadas a esse monstro que parecia ter cinco metros de altura e andava pelo palco.
Após terminada a música, a banda deixou o palco, e se ouvia ecoar pelo estádio os gritos do publico chamando pelo retorno da banda. E atendendo, eles voltaram para um bis. Bruce voltou e com ele a banda. Ao cantar junto com pequenos acordes do violão de Dave Murray a introdução de Moochild, ele parou a música e brincou com a plateia, que mesmo antes dele cantava a letra da musica. Tocaram-na finalmente e junto com ela Clairvoyant, duas musicas belíssimas que a banda gravou nos seus tempos aureos. O fim do show se aproximava, e com ele vinha a última música: Halloweed By Thy Name. Um clássico que ninguém deixou de cantar inebriado pela apresentação da banda.
Nessas duas horas de show, o que se viu foi uma banda espetacular executando 16 de seus maiores clássicos, revivendo assim, a World Slavery Tour, a maior turnê da banda ate 1985, que contou com a memorável passagem pelo Rock in Rio em janeiro daquele ano. Não houve uma música em que a multidão não cantasse em uníssono as letras e os solos de guitarra. Um show para se guardar nas lembranças de quem esteve la. Inesquecível e emocionante como tem que ser um show de uma banda como Iron Maiden.
Terminado o show, a sensação era ótima emocionalmente, porem o corpo… não se pode dizer o mesmo. A sede, por um acaso do destino se resolveu com a multidão dispersando: finalmente um vendedor de água no nosso campo de visão. O preço era bem salgado, mas a sede era maior, gastamos nossos 4 reais mais bem gastos em toda a história. Dores pelo corpo se acumulavam. Pernas, braços consumidos. A voz tinha sumido em meio aos gritos. Falava com os amigos que fui atropelado por um caminhão chamado Iron Maiden, e mesmo assim tudo valeu a pena, todas as horas de viagem, todas as horas de espera em fila, os apertos vividos nos momentos de show.
Chegamos ao hotel exaustos, e depois de um banho, foi a hora de dormir um mais que merecido sono. Segunda de manhã, ainda eufóricos com a noite anterior, preparamos a bagagem para o regresso. A volta foi compensadora, apesar do atraso para sair do hotel, todos ainda bebiam um pouco da situação de estar na cidade onde tudo aconteceu alem de tirar fotos, trocar e-mails e conversar sobre o show. O ônibus sofreu um pequeno incidente, tendo um dos pneus estourados, e isso foi mais um motivo para diversão. Milhares de quilômetros de viagem e na madrugada da Terça-feira estávamos em Goiânia novamente para um novo inicio de vida após o acontecimento histórico.”
Dá pra ver que foi sangue no’zói!